Anna Maria Primavesi (1920–2020) foi uma das figuras mais importantes da agroecologia no mundo e uma das maiores defensoras da vida do solo no Brasil. Engenheira agrônoma austríaca radicada no país desde a década de 1950, ela construiu uma carreira e uma filosofia que transformaram profundamente a forma como entendemos a relação entre agricultura, ecologia e existência. Para ela, a terra não é apenas um recurso, mas, sim, um ser vivo que pede cuidado, reciprocidade e escuta.
Nascida em 1920 na Áustria, Anna cresceu em um ambiente rural, rodeada por florestas e práticas agrícolas tradicionais. Sua relação com a natureza foi construída desde cedo, ainda que o mundo acadêmico e científico da época não reconhecesse com seriedade os saberes intuitivos da terra. Estudou Agronomia na Universidade de Viena, em um contexto de forte dominação masculina e tecnocrática, e sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Com seu marido, o também agrônomo Artur Primavesi, imigrou para o Brasil, onde começou a trabalhar com solos tropicais, um território até então negligenciado pelas teorias da agronomia europeia. Foi professora na Universidade Federal de Santa Maria e, mais tarde, atuou em diversos projetos ligados à agricultura familiar e à agroecologia por todo o país.
A terra é um ser vivo
Anna Primavesi foi pioneira ao propor uma nova forma de pensar o solo: como um organismo vivo, dinâmico e interdependente. Em um mundo dominado pela agricultura industrial e química, ela denunciava os impactos da mecanização pesada, do uso indiscriminado de agrotóxicos e da destruição da vida biológica do solo.
Para Primavesi, cuidar da terra era também um gesto político e espiritual. Seu pensamento se baseava na observação atenta da natureza, na escuta dos agricultores e na valorização dos saberes tradicionais. Ela entendia que a sustentabilidade não poderia vir de cima para baixo, mas das relações verdadeiras com os ciclos da vida, do clima, das plantas e do chão.
Três principais ensinamentos de Anna Maria Primavesi
- O solo é um ser vivo e deve ser tratado como tal
Para Anna, o solo é um ecossistema cheio de vida e relações complexas. A fertilidade não vem de adubos sintéticos, mas do equilíbrio entre os organismos vivos que ali habitam. “Solo sadio – planta sadia – homem sadio” era um de seus lemas mais repetidos. - A agricultura deve se adaptar aos trópicos e não o contrário
Ela denunciava a importação de tecnologias pensadas para climas temperados e defendia uma agricultura tropicalizada, feita com base no conhecimento do território, do clima e das plantas nativas. - Respeitar a natureza é essencial para produzir com abundância
Longe de pregar a escassez ou o retrocesso, Primavesi mostrava que a produção agrícola pode ser abundante e regenerativa quando está em sintonia com os ritmos naturais. O segredo está em observar, escutar e interagir com inteligência e sensibilidade.
Principais livros publicados
Entre suas muitas contribuições escritas, dois livros se destacam tanto pelo conteúdo acessível quanto pela profundidade de pensamento:
- Cartilha da Terra
Escrita originalmente como material de formação para agricultores e técnicos, essa obra apresenta os fundamentos da visão ecológica de Primavesi sobre o solo. Dividida em duas partes: “A terra, essa desconhecida” e “A terra e seu trato”, a cartilha traduz décadas de pesquisa e observação de Primavesi em linguagem clara, sensível e profundamente conectada à realidade do campo. A terra, muitas vezes vista como “sujeira” ou “recurso”, é apresentada aqui como corpo vivo, com necessidades, ritmos e forças próprias. O solo não pode ser entendido isoladamente. Ele está intrinsecamente ligado às plantas e ao clima, formando um ciclo natural. Cada desequilíbrio em um desses elementos impacta os demais. Um dos ensinamentos centrais é que quem cultiva deve se tornar um colaborador da natureza. Isso significa observar os ciclos, respeitar os limites do solo e agir de forma regenerativa. - Cartilha do Solo: como reconhecer e sanar seus problemas
Voltada para o público rural, essa cartilha ensina a observar o cheiro, a textura e o comportamento do solo, Primavesi mostra como pequenos sinais revelam grandes desequilíbrios. Primavesi reforça sua visão sistêmica: o ciclo solo-planta-humano é interdependente. O solo doente produz plantas fracas, que exigem mais agrotóxicos, resultando em alimentos com menos vitalidade e mais veneno. A cartilha explica também sobre o manejo do solo, que quando é compactado, seja por maquinário pesado, pisoteio de animais ou lavouras mal manejadas, ele perde o ar, a água e a vida interna. A compactação impede a infiltração da água, a penetração das raízes e o trânsito de organismos vitais como minhocas e microrganismos.
Além dessas cartilhas, Anna também é autora de obras fundamentais como “Manejo Ecológico do Solo”, considerada leitura obrigatória na formação em agronomia agroecológica, e de diversos artigos científicos e livros técnicos.