Apropriação na arte: de Duchamp ao TikTok

Entenda o que é apropriação na arte, da obra de Duchamp aos vídeos de TikTok. Descubra como esse gesto provocador desafia a ideia de originalidade.

Apropriação, no contexto da arte, é o ato de usar imagens, objetos ou discursos já existentes, muitas vezes oriundos da cultura de massa, do cotidiano ou da história da arte, e inseri-los em novos contextos, dando-lhes novos sentidos. Mais do que citação, a apropriação é deslocamento. Um gesto que, ao alterar o lugar e o olhar sobre algo familiar, ativa sua potência crítica.

Foi com Marcel Duchamp que esse gesto se tornou um divisor de águas na história da arte. Ao assinar um urinol com o pseudônimo R. Mutt e enviá-lo a um salão de arte em 1917, Duchamp colocou em xeque não apenas o que é arte, mas quem tem o poder de decidir isso. Sua obra “Fountain” inaugurou o que hoje chamamos de readymade, objetos prontos transformados em arte por meio da escolha e do contexto.

Segundo o crítico Ricardo Basbaum, Duchamp “produziu uma mitologia que constitui forte campo magnético”, abrindo caminho para uma arte que não se resume ao objeto, mas que “tece uma imensa rede textual” entre nomes, signos, processos e delírios conceituais.

Da arte moderna à era digital: um percurso em expansão

A partir dos anos 1960, movimentos como o Pop Art e o Fluxus ampliaram o campo da apropriação. Artistas como Andy Warhol e Sherrie Levine recorreram a imagens da publicidade, da televisão e de outras obras de arte para refletir sobre autoria, originalidade e valor no sistema artístico.

No Brasil, essa discussão foi reconfigurada por práticas como as de Cildo Meireles e Anna Bella Geiger, que aproximaram arte e política em gestos apropriacionistas. Ao intervir em circuitos institucionais, esses artistas colocaram em evidência o contexto sociopolítico da produção e circulação das imagens.

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Apropriação e redes: a arte no TikTok

Hoje, na era digital, a apropriação ganhou novas camadas. Nos vídeos de TikTok, montagens de memes, remixes de danças e dublagens virais, o gesto de apropriar-se se popularizou e se tornou linguagem. Essa nova forma de criação coletiva e mutável lembra, de certa forma, a ideia de “rede” proposta por Basbaum: um sistema de circulação em que artistas, críticos e público ocupam posições móveis e se revezam como criadores e receptores.

Fernando Cocchiarale também observa esse deslocamento da arte para além de suportes e espaços tradicionais. A apropriação, para ele, é um dos elementos centrais da arte contemporânea justamente por romper com a ideia de originalidade, desestabilizar a noção de autoria e se aproximar da vida cotidiana, inclusive das redes sociais.

Apropriar é também tensionar

Apropriação não é sinônimo de cópia. É, antes, uma crítica, ao sistema da arte, ao consumo de imagens, à lógica capitalista. E também um convite: olhar de novo para aquilo que achávamos que já conhecíamos.

É possível reconhecer nessa estratégia uma dimensão ética. Afinal, quem pode se apropriar de quê? Onde estão os limites entre citação e exploração, entre referência e apagamento? A prática da apropriação, ao mesmo tempo que democratiza a criação, também nos chama à responsabilidade.

Discutir apropriação na arte é entender que vivemos em um tempo em que tudo já foi dito, filmado ou postado e que talvez a novidade esteja menos na invenção absoluta e mais na recombinação, na montagem, no remix. Apropriar é pensar com o outro. E essa pode ser uma das formas mais potentes de criação hoje.

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