Entre a moda e a arte, existe uma linha invisível que sempre foi muito debatida: o tempo. A arte, desde suas origens, aspira ao eterno: ela é restaurada, preservada, protegida, celebrada como patrimônio da humanidade. Já a moda nasce com hora para acabar. É feita para o agora, para o próximo desfile, para a próxima estação. E justamente aí mora sua força. Mas o que significa dizer que a moda é efêmera e a arte é permanente? E será mesmo que essa divisão ainda se sustenta?
Desde os tempos das cavernas até os museus contemporâneos, a arte foi entendida como algo a ser mantido, transmitido, relembrado. Suas técnicas, suportes e estilos podem ter mudado, mas a ideia de que ela deve sobreviver ao tempo persiste. Obras são emolduradas, arquivadas, expostas com cuidado. Existe um investimento institucional na sua longevidade, tanto físico quanto simbólico. Mais do que durar fisicamente, a arte busca permanecer culturalmente: seu valor está atrelado à memória coletiva, ao pensamento crítico, ao legado. Como escreveu o filósofo Quentin Bell, um “artista da moda” é alguém fadado à substituição, já o artista da pintura ou da escultura pode atravessar séculos.
A moda vive de ciclos. Cada coleção já nasce ultrapassada pela próxima. O que está “em alta” hoje será “datado” amanhã. Esse caráter passageiro foi, por muito tempo, usado para desqualificá-la como campo criativo sério. “Nada é tão mortal quanto a moda”, escreveu Bell. Mas é justamente essa mortalidade que a torna tão poderosa. A moda encarna o espírito do tempo, o agora que escapa, o desejo em movimento. Ela é expressão sensível daquilo que está mudando. A moda, como lembrou Gilles Lipovetsky, é um reflexo (e um motor) da modernidade. E mesmo sendo passageira, a moda deixa rastros: fotos, objetos, ícones culturais, sensações. Algumas peças sobrevivem como símbolos de época, outras voltam em ciclos, outras viram relíquias ou reaparecem como arte em exposições.
Permanência como status, efemeridade como liberdade
Na cultura ocidental, o que dura tende a ser valorizado como “superior” (eterno, sério, intelectual). O que passa é lido como superficial, acessório, descartável. Essa lógica carrega também traços de gênero, classe e poder: a arte foi associada ao masculino, à mente, ao espírito; a moda, ao feminino, ao corpo, ao desejo.
Mas a efemeridade também pode ser política. Recusar-se a durar é uma forma de escapar das imposições. A cada troca de roupa, um novo personagem. A cada estação, uma nova linguagem. A moda oferece aquilo que a arte, muitas vezes, evita: a transformação contínua. E a permanência, por sua vez, não é apenas estabilidade, é também memória, profundidade e construção simbólica. É aquilo que permanece como referência, que pode ser revisitado, ressignificado, relido. Arte e moda operam, assim, em temporalidades complementares.
Dois tempos, uma cultura
A arte deseja a permanência. A moda floresce na efemeridade. Mas ambas estão enraizadas na mesma cultura e dizem, à sua maneira, algo essencial sobre o tempo em que vivemos. Em vez de opor essas temporalidades, podemos olhar para elas como forças que se cruzam. Há arte que se desfaz e há moda que permanece. O que importa, talvez, não seja o tempo que dura, mas o que provoca no corpo, no olhar, no pensamento.