O que é estética relacional? Exemplos e definições acessíveis

Explore a estética relacional de Nicolas Bourriaud e como artistas brasileiros ativam o público como coautor da obra em práticas contemporâneas.

A noção de estética relacional, formulada por Nicolas Bourriaud nos anos 1990, propõe um deslocamento fundamental no entendimento da arte contemporânea. Em vez de pensar a obra como um objeto autônomo, fechado em si, Bourriaud a propõe como um dispositivo de encontro, um catalisador de relações humanas.

A arte relacional surge como um campo da arte contemporânea em que a experiência compartilhada se torna parte essencial da obra. A arte relacional é um dispositivo que cria encontros, propõe diálogos e ativa a presença do público. As obras existem no tempo e no espaço da interação, convidando as pessoas a participar, mover, transformar e, muitas vezes, completar o trabalho artístico. É um deslocamento que retira a arte do pedestal, inserindo-a na vida comum, nos espaços coletivos, em situações abertas a múltiplas interpretações e ações.

Essa prática também carrega uma dimensão política e social, pois muitas vezes intervém no cotidiano, desafia as lógicas tradicionais da arte pública e questiona estruturas de poder e exclusão. A arte relacional busca criar situações que gerem reflexão, cuidado e novas formas de convivência. É uma arte que se constrói a partir da presença do outro, apostando no encontro como espaço de transformação.

O que é estética relacional?

A estética relacional parte do princípio de que o valor de uma obra está na qualidade dos laços sociais que ela produz. “A arte não é mais uma ilha, mas uma plataforma de interações possíveis”, escreve Bourriaud. Em seu livro Estética Relacional (2009), ele analisa práticas artísticas que operam como espaços de convivência: exposições que se tornam cafés, performances que envolvem o público em conversas, instalações que convidam à construção coletiva.

Trata-se de uma arte que abandona a ideia de genialidade solitária para se concentrar na criação de situações compartilhadas. Em lugar do “espectador contemplador”, temos o “participante coprodutor”.

Participação do público como ética

A participação, no pensamento de Bourriaud, não é apenas uma estratégia formal, mas um posicionamento ético e político. Ao compartilhar a construção da obra, o artista abre espaço para o inesperado, o dissenso, a multiplicidade. “Trata-se de ativar o espaço através do tempo e o tempo através do espaço”, escreve ele, em uma metáfora que sintetiza a mobilidade do sujeito contemporâneo.

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E no Brasil?

Muitas práticas artísticas brasileiras já operavam nessa lógica antes mesmo de serem nomeadas por Bourriaud. Os projetos de Lygia Clark e Hélio Oiticica nos anos 1960, como o Parangolé e a Obra Aberta, já colocavam o corpo do espectador no centro da experiência estética.

Nos anos 2000, artistas como Ricardo Basbaum (com NBP – Novas Bases para a Personalidade) e coletivos como Opavivará! continuaram essa linhagem, propondo situações de engajamento direto do público, muitas vezes em espaços urbanos e não institucionais.

As residências artísticas, as ocupações e as práticas colaborativas tornaram-se terreno fértil para esse tipo de arte no Brasil. Em muitos casos, mais importante que o objeto final é o processo que se estabelece entre artistas, público e território.

Exemplos de arte relacional no Brasil

Lygia Clark – Bichos (1960)

  • Artista: Lygia Clark (Brasil)
  • Descrição: Série de esculturas articuláveis em metal, compostas por placas e dobradiças, que podem ser manipuladas pelos espectadores. Clark rompe com a ideia da obra intocável: os Bichos só se completam na interação, transformando o público em coautor. Essa participação inaugura um campo relacional pioneiro, em que a arte se define pelo gesto, pelo encontro entre corpo e objeto.

Hélio Oiticica – Parangolés (1964–1968)

  • Artista: Hélio Oiticica (Brasil)
  • Descrição: Capas, bandeiras e estandartes vestíveis que convidam o público a dançar e mover-se com a obra, dissolvendo a fronteira entre arte e vida. Criados em diálogo com as comunidades de samba do Rio de Janeiro, os Parangolés propõem uma experiência coletiva, sensorial e política, onde a obra só existe plenamente no corpo do outro, no ato de vestir e performar.

Flávio de Carvalho – Experiência n. 2 (1931)

  • Artista: Flávio de Carvalho (Brasil)
  • Descrição: Performance histórica em que o artista desafiou uma procissão religiosa caminhando na contramão e de cabeça descoberta. Embora anterior à noção de “arte relacional” de Bourriaud, o gesto ativava o espaço público, provocava reações coletivas e tensionava as convenções sociais – uma das raízes das práticas participativas no Brasil, referida no texto anexo.

Grupo de Interferência Ambiental (GIA) – Degrau (2009)

  • Artistas: Coletivo GIA (Brasil)
  • Descrição: Intervenção urbana em Salvador, construída para auxiliar pessoas no acesso a ônibus com degraus altos. A ação é simples e funcional, mas cria um espaço de cuidado coletivo e reflexão sobre acessibilidade no espaço público. A obra questiona a relação entre arte, cidade e políticas públicas, promovendo encontros e trocas afetivas no cotidiano.

Coletivo 3Nós3 – Intervenções Urbanas (final dos anos 1970)

  • Artistas: Hudinilson Jr., Mario Ramiro e Rafael França (Brasil)
  • Descrição: Grupo atuante em São Paulo que realizava ações performáticas na rua, como colar faixas, objetos e interferências efêmeras em espaços públicos. As obras não eram monumentais, mas convites a pensar o espaço urbano e a relação entre corpo, cidade e poder, antecipando muitas práticas relacionais atuais (citado no texto de Maicyra Teles Leão e Silva).

Opavivará – Transnômades (2011)

  • Artistas: Coletivo Opavivará (Brasil)
  • Descrição: Instalação pública itinerante composta por módulos móveis (cozinhas, redes, espaços de descanso) que se deslocam pela cidade convidando pessoas a compartilhar refeições, conversas e momentos de pausa. A obra questiona as lógicas de privatização do espaço urbano, criando territórios temporários de convivência e troca afetiva. Como outras ações do coletivo, Transnômades propõe uma estética relacional que aproxima arte, vida cotidiana e políticas do encontro.

Os limites e críticas

Apesar da potência da estética relacional, ela não está imune a críticas. Uma das mais contundentes vem de Claire Bishop, que questiona a tendência de valorizar apenas o aspecto “relacional” da obra, sem considerar se essas relações são realmente transformadoras ou apenas reproduzem formas inofensivas de socialização. Além disso, há o risco de o termo se tornar um rótulo vazio, aplicável a qualquer obra que envolva o público, mesmo sem tensionar questões de poder, classe, gênero ou colonialismo.

Para que a estética relacional não caia na armadilha da superficialidade, é necessário que a participação do público seja pensada de modo crítico e contextualizado. No Brasil, isso significa considerar as desigualdades estruturais que atravessam o acesso à arte, as relações entre centro e periferia, e as dinâmicas institucionais que muitas vezes cooptam práticas insurgentes.

A estética relacional continua sendo uma ferramenta relevante como ponto de partida para criar espaços de encontro, escuta e transformação.

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