No final do século XIX, um movimento silencioso começou a questionar as formas, os tecidos e os sentidos da roupa. Numa época em que as mulheres eram aprisionadas por espartilhos, crinolinas e convenções sociais, artistas e reformadores do vestuário propuseram uma nova estética: mais livre, mais natural, mais próxima do corpo e do espírito. Esse movimento não partiu da indústria da moda, mas das artes. Pintores, poetas, filósofos, designers e pensadores se uniram para repensar o que vestir significava. Ao longo das décadas, suas ideias atravessaram gerações e influenciaram nomes como Fortuny, Poiret e Issey Miyake.
Muito antes de a moda ser reconhecida como campo de debate cultural, os Pré-Rafaelitas já estavam insatisfeitos com a estética vitoriana. O grupo de artistas ingleses, ativo entre 1848 e o início do século XX, buscava uma representação mais honesta e sensível do corpo humano. Inspirados por modelos da Grécia Antiga e da Idade Média, propunham roupas soltas, com tecidos leves e caimentos naturais. Em oposição direta ao vestuário estruturado e restritivo da época.
Pintores como Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais chegaram a desenhar ou mandar confeccionar as roupas retratadas em suas obras. Mais do que vestimenta, o traje era parte da narrativa visual: um ideal de beleza, de liberdade e de expressão. Esse imaginário estético deu origem a uma nova forma de vestir, menos voltada à moda do dia e mais próxima de um estilo artístico e pessoal. Foi o início do que seria chamado de moda estética.
A reforma do vestuário e o corpo como campo político
Na segunda metade do século XIX, o debate estético se ampliou para o campo político. Médicos, feministas, filósofos e designers se uniram ao movimento conhecido como reforma do vestuário, questionando os impactos do vestuário feminino na saúde e na autonomia das mulheres. As roupas pesadas e apertadas eram vistas como obstáculos à liberdade de movimento e expressão. Surgiram propostas de trajes sem espartilhos, com mangas amplas, tecidos naturais e cores mais discretas, pensadas para valorizar o corpo real, e não para moldá-lo aos padrões da elite burguesa.
Esse movimento influenciou profundamente a moda do século XX, especialmente por meio de casas como a Liberty of London, que começou a comercializar vestidos estéticos inspirados em referências medievais, gregas e orientais. A moda deixava, aos poucos, de ser apenas tendência e passava a ser também manifesto.
No início do século XX, dois estilistas herdaram e reinventaram os ideais da reforma do vestuário com sofisticação e inovação: Mariano Fortuny e Paul Poiret. Fortuny, com seu icônico vestido Delphos, inspirado nas túnicas gregas, desenvolveu peças plissadas que dispensavam espartilhos, valorizavam o caimento do tecido e celebravam a fluidez do corpo. Suas roupas, feitas em seda, eram verdadeiras esculturas maleáveis, e hoje figuram em museus como o MET e o Victoria and Albert Museum. Poiret, por sua vez, libertou a moda feminina dos trajes vitorianos e introduziu silhuetas orientais, com túnicas, turbantes e bordados exuberantes. Para ele, vestir era uma forma de arte total, que incluía perfume, decoração e performance. Poiret foi o primeiro estilista a se declarar artista, antes mesmo do termo “designer de moda” existir como o conhecemos.
Décadas depois, no Japão do pós-guerra, o estilista Issey Miyake aprofundaria essa mesma linhagem estética com uma abordagem radicalmente contemporânea. Para Miyake, moda era arte em movimento, um cruzamento entre design, escultura, arquitetura e tecnologia. Sua série Pleats Please, assim como seus estudos de formas geométricas e dobraduras, mostraram que o corpo pode ser o eixo de criações que transcendem o funcional. Ele não vestia apenas corpos, mas pensamentos. Miyake é um dos principais exemplos de como a moda pode ser atravessada por valores artísticos, sem perder sua natureza cotidiana.
Enquanto a arte aspira à permanência – sendo protegida, restaurada e eternizada -, a moda vive no efêmero. O desfile acaba, a coleção é substituída, a tendência some. Ainda assim, algumas peças se tornam ícones e desafiam o tempo. O que distingue a arte da moda, portanto, não é a estética, mas o sistema de circulação. Um vestido pode ser arte quando entra no museu. Uma obra de arte pode virar moda quando é estampada numa camiseta. As linguagens se misturam, mas seus tempos e valores permanecem distintos.