O que é arte participativa?

A arte participativa se diferencia das formas tradicionais de fazer e fruir arte ao colocar a experiência no centro da criação. Nesse contexto, o público deixa de ser apenas espectador e passa a ser agente ativo da obra. O que está em jogo não é mais apenas a autoria ou o objeto artístico final, mas os encontros, os gestos e os afetos que acontecem no tempo do compartilhamento. A arte se torna um espaço de relação e de invenção coletiva.

Um dos conceitos centrais para entender essa abordagem é o da “vontade poética”, apresentado por Felipe Scovino no texto “A vontade poética no diálogo com os Bichos: o ponto de chegada de uma arte participativa no Brasil. A expressão se refere a um impulso de criar situações abertas, que não impõem significados, mas oferecem possibilidades de encontro. A vontade poética não busca convencer ou ensinar. Ela convida à escuta, à presença e à ação, criando um campo sensível em que a arte acontece a partir da troca entre os corpos e os contextos. A participação, nesse sentido, é menos um formato do que uma postura diante do mundo.

Essa forma de arte não se limita aos museus ou galerias. Muitas vezes ela se desloca para espaços públicos ou cotidianos, como ruas, praças, casas, ônibus ou escolas. O que interessa é a ativação de um espaço relacional, em que a arte possa se conectar com a vida.

1. Arte participativa como deslocamento do espectador passivo para o agente ativo

A arte participativa propõe uma transformação na relação entre artista, obra e público. Em vez de observar uma criação finalizada, o espectador é convidado a participar da própria construção da obra. Essa mudança rompe com a ideia tradicional de autoria individual e transforma o público em coautor, criando situações em que o sentido da obra emerge da interação. A arte passa a ser vivida, e não apenas contemplada.

2. A “vontade poética” como forma de relação sensível

Scovino utiliza o termo “vontade poética” para se referir à dimensão afetiva, não-impositiva e aberta da arte participativa. Em vez de transmitir mensagens diretas ou conduzir o público a uma interpretação específica, a obra cria condições para encontros imprevisíveis, baseados na escuta e na presença. A “vontade poética” é o impulso que move o artista a criar situações em que o outro é convidado a estar junto, a agir, a sentir.

3. A arte como experiência em vez de objeto

Um traço central da arte participativa é sua ênfase na experiência coletiva e efêmera, mais do que em um produto artístico duradouro. A obra pode assumir a forma de uma ação, um gesto, um jogo ou uma conversa. O valor não está em um resultado formal, mas na ativação sensível que ocorre entre os participantes. Isso exige repensar os modos de exposição, documentação e crítica, uma vez que nem sempre há algo visível ou colecionável ao final do processo.

4. Deslocamento do espaço institucional para o espaço público

A arte participativa frequentemente extrapola os limites do museu e da galeria, ocupando ruas, praças e outros espaços cotidianos. Isso não é apenas uma mudança de local, mas de lógica: o espaço público amplia a potência do encontro e insere a arte em situações imprevisíveis e políticas. Exemplos como os de Lygia Clark e Hélio Oiticica ilustram essa prática, com obras que convidam à interação física, sensorial e coletiva fora dos circuitos tradicionais.

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5. O papel do corpo e da presença na criação da obra

O corpo é um elemento central na arte participativa, tanto o do artista quanto o do público. A obra só acontece com a presença física e afetiva dos envolvidos. Há uma ênfase no estar junto, no toque, no movimento e na escuta corporal. A participação não é apenas racional ou simbólica, mas se dá por meio de uma ativação sensível que envolve tempo, ritmo e disposição para o encontro.

6. A arte como espaço de escuta e invenção comum

Mais do que uma provocação ou intervenção, a arte participativa propõe um espaço de escuta. Isso significa criar condições para que diferentes vozes possam se manifestar, sem hierarquia prévia. A obra deixa de ser uma afirmação de sentido para se tornar uma abertura ao comum, ao que é construído coletivamente. Esse “comum” não é dado, mas precisa ser inventado em cada situação.

7. Incorporação do fracasso, do risco e da instabilidade

Ao propor encontros abertos, a arte participativa se expõe ao risco de não acontecer como o esperado. Pode falhar, ser interrompida, gerar silêncio ou confusão. No entanto, essas possibilidades não são vistas como problema, mas como parte constitutiva da obra. A instabilidade, o improviso e o erro fazem parte da linguagem participativa, ampliando sua dimensão experimental e crítica.

8. Exemplos históricos e referência à arte brasileira dos anos 1960 e 1970

O texto de Scovino retoma práticas de artistas brasileiros como Hélio Oiticica e Lygia Clark para pensar a genealogia da arte participativa no Brasil. Suas obras convidavam à ação, à participação tátil e à reorganização do espaço sensorial. Esses artistas não buscavam simplesmente envolver o público, mas criar outras formas de subjetividade, em diálogo com questões sociais, políticas e urbanas da época.

9. Participação como gesto político em tempos de repressão

Nos contextos de autoritarismo, como na ditadura militar brasileira, a arte participativa também se configurou como um gesto político. Ao propor liberdade sensorial, ações coletivas e ocupações do espaço urbano, ela confrontava os sistemas de controle, censura e vigilância. Participar de uma obra, nesse contexto, podia ser uma forma de resistência, mesmo que sutil, ao poder instituído.

10. Desafios à crítica e curadoria tradicional

A natureza efêmera e relacional da arte participativa desafia os modelos tradicionais de crítica e curadoria. Como analisar uma obra que só existe no tempo da ação?

Essa prática desafia os modelos tradicionais de crítica e curadoria. Como documentar ou avaliar uma obra que só existe enquanto ação compartilhada? Como reconhecer a importância do que é invisível, passageiro ou instável? A arte participativa exige novas ferramentas, tanto para ser vivida quanto para ser pensada, escriturada e exposta. Ela propõe não uma forma fixa, mas um acontecimento, algo que só existe no entre, no durante, no agora.

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