Quando a arte veste a moda (e vice-versa)

Há tempos estilistas olham para a arte como fonte de inspiração, mas nas últimas décadas, algo mudou: os próprios artistas passaram a participar ativamente da criação de coleções, estampas, desfiles e objetos vestíveis. O que antes era apropriação estética se transforma, agora, em diálogo direto, parceria criativa, colaboração com assinatura dupla.

A moda é, como a arte, uma linguagem visual que fala de tempo, corpo e desejo. Mas enquanto a arte historicamente se quis atemporal e autônoma, a moda lida com o efêmero, com a repetição e o consumo. Por isso mesmo, quando esses dois campos se encontram, algo interessante acontece: a obra de arte deixa o museu e caminha pela rua; o vestido vira manifesto; a passarela se transforma em instalação.

Para os artistas, colaborar com a moda pode ser uma forma de romper com os circuitos tradicionais da arte e também de alcançar um público mais amplo, mais diverso, mais cotidiano. Para as marcas, é uma forma de se apropriar de um capital simbólico que agrega valor, sofisticação e discurso. E para quem veste, é vestir não só uma peça, mas também uma ideia, um gesto, uma imagem com peso histórico e cultural.

É claro que essas colaborações geram tensões. Até onde vai a autonomia artística quando a criação é filtrada por interesses comerciais? Em que momento a obra deixa de ser arte e vira produto? Essas perguntas, porém, não são novas e talvez não tenham resposta definitiva. O que se pode dizer é que cada vez mais artistas têm assumido o espaço da moda como um território legítimo de experimentação.

Yayoi Kusama x Louis Vuitton
A artista japonesa, conhecida por suas obsessivas bolinhas e instalações imersivas, colaborou duas vezes com a maison francesa: em 2012 e 2023. A parceria foi além das roupas, envolvendo vitrines, bolsas, perfumes e experiências em realidade aumentada.

Takashi Murakami x Louis Vuitton
Outro japonês de destaque, Murakami transformou a clássica estampa monogram da marca em versões multicoloridas e surrealistas nos anos 2000, criando um marco estético da época. A colaboração se tornou uma das mais reconhecíveis da história da moda.

Cindy Sherman x Supreme
A artista norte-americana, referência em autorretratos performativos, lançou em 2021 uma linha de camisetas e acessórios com a marca streetwear Supreme, usando imagens de sua icônica série “Untitled Film Stills”.

Barbara Kruger x Supreme
Antes de Sherman, Kruger já havia tido seu trabalho (não autorizado) usado pela Supreme, o que gerou polêmica e debate sobre apropriação. Anos depois, ela própria lançou peças com estética semelhante em colaboração com outras marcas.

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Virgil Abloh x Jenny Holzer
Durante sua direção criativa na Louis Vuitton e na Off-White, Abloh colaborou com artistas como Jenny Holzer, levando frases com forte cunho político para roupas e vitrines, misturando moda de luxo com crítica social.

Handred X Vivian Caccuri
A linha de roupas Entre-Ondas é inspirada nas obras da artista Vivian Caccuri. A relação da música no contexto litúrgico religioso em contraste com o festivo mundano tem destaque.

Neriage x Regina Silveira
Em 2024, a marca brasileira Neriage apresentou uma coleção que mergulha no universo provocativo e ilusório da artista Regina Silveira. Conhecida por obras que tensionam percepção, sombra e arquitetura, Silveira emprestou sua iconografia, como pegadas e distorções óticas, para roupas.

Jaime Lauriano x Misci
Na coleção “Tenda Tripa”, apresentada em abril de 2024 no Pavilhão da Bienal de São Paulo, a Misci uniu forças com o artista visual Jaime Lauriano para criar peças que dialogam profundamente com a identidade brasileira e suas complexidades históricas. Jaime Lauriano colaborou com o estilista Airon Martins na coleção da Misci.

Fernanda Feher x Fillity
Em 2019, a marca brasileira Fillity convidou a artista visual Fernanda Feher para desenvolver uma coleção cápsula que unisse moda e arte. A colaboração resultou em duas versões de lenços e uma camiseta, todos com estampas exclusivas criadas por Feher.

Patrícia Carparelli x Capodarte
Em 2021, a Capodarte lançou a coleção “Gioia”, inspirada no universo onírico da artista paulistana Patrícia Carparelli. Conhecida por suas pinturas que exploram a passagem do tempo e as expressões do inconsciente, Carparelli influenciou diretamente o design da coleção, que apresenta formas orgânicas e cores vibrantes.

Azuhli x How I See Things (HIST)
A artista cearense Azuhli colaborou com a marca How I See Things (HIST) em uma coleção cápsula lançada em 2024.

Quando um vestido carrega uma obra, ou quando uma obra se dobra em tecido, estamos vendo o mundo da arte sair do cubo branco e tocar o cotidiano. Nesse encontro, o que se veste é também o que se vê, se pensa e se sente.

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