Nem sempre o pensamento vem em palavras. Às vezes, ele pulsa em um músculo tensionado, num braço que hesita, num corpo que cai. A arte contemporânea tem nos ensinado isso: que há pensamento no gesto, há discurso no silêncio do corpo, há crítica no movimento. Neste texto, propomos olhar para a performance não como um estilo, mas como uma postura, uma forma de estar no mundo e produzir sentido a partir do corpo.
Vamos falar de gesto, corpo e performance. De como o corpo virou linguagem na arte contemporânea. E de como artistas têm usado esse corpo para rasurar certezas, tensionar discursos e habitar frestas entre o visível e o dizível. O que está em jogo aqui não é só a forma da obra, mas a forma como existimos juntos.
Na história da arte ocidental, o corpo quase sempre foi moldura. Objeto a ser esculpido, pintado, observado. Mas a arte contemporânea, especialmente a partir dos anos 1960, virou esse jogo. O corpo deixou de ser suporte para virar presença. Um corpo que não apenas representa, mas age. Isso se tornou urgente num mundo cada vez mais acelerado, desigual e desencantado. Quando a palavra falha, o corpo fala. E diz muito. O gesto, antes visto como ruído ou adorno, se torna centro. Um gesto pode carregar trauma, denúncia, memória, desejo. Pode interromper. Pode convocar. É também uma leitura.
O meio: gesto é linguagem
Na performance, o gesto não é “encenação”. Ele é acontecimento. Cada movimento carrega uma densidade própria, algo que escapa ao discurso e que, justamente por isso, tem potência. O gesto performático não quer explicar. Ele quer afetar. E nesse afeto, instala-se o pensamento.
Artistas como Lygia Clark, Helena Almeida, Ana Mendieta, Tania Bruguera, entre tantas outras, têm mostrado como o corpo pode ser campo de invenção, de crítica e de reconstrução de subjetividades. Em suas obras, o corpo não serve à narrativa. E isso vale também para quem assiste: o público não está ali só para ver, mas para sentir, participar, ser convocado. Não há distância segura na performance. Há proximidade, implicação, presença.
O meio: gesto é linguagem
Pensar o corpo como linguagem é também pensar a arte como um espaço de invenção do sensível. A performance permite que outros modos de existir apareçam. Modos que não cabem nas normas, nos algoritmos, nas caixinhas. Um corpo que performa é um corpo que desobedece e que convida o outro a desobedecer junto.
A arte performática nos devolve à presença. Nos ensina a escutar sem esperar respostas. A olhar sem domesticar o que se vê. A pensar com o corpo, com o tempo, com o outro. No mundo da performance, o gesto é mais que movimento: é pensamento encarnado. O corpo não é histórico, político, afetivo. E a arte, nesse contexto, não serve para decorar o mundo, mas para revirá-lo. O que ela nos oferece, no fim, não é uma verdade, mas a chance de sentir, de novo, que estamos vivos.