Ensinar arte é ensinar a pensar

Nas palavras de Ana Mae Barbosa: existe uma confusão perigosa no campo da educação da ideia de que educar pela arte é o mesmo que ensinar arte. Não é. Quando se diz “educar pela arte”, geralmente está se dizendo: use a arte para ensinar outra coisa (matemática, comportamento, concentração, coordenação motora). É a arte instrumentalizada, domesticada, tornada recurso auxiliar.

Ensinar arte é outra coisa. Ensinar arte é ensinar arte. É reconhecer que a arte é um campo de conhecimento. Com linguagem própria, com história, com estrutura, com gramática. Com crítica. Com emoção, sim, mas também com pensamento. Trata-se de não usar a arte como meio, mas de reconhecer nela um fim.

A ideia de expressão como fetiche

Durante décadas, acreditou-se que bastava dar um lápis de cor para uma criança e ela se expressaria livremente. Expressão virou um fetiche pedagógico. Mas expressão sem linguagem, sem estímulo visual, sem leitura de imagem, sem contexto… não forma ninguém. Não transforma ninguém. Liberdade sem conhecimento é negligência.

Como orientado por Ana Mae Barbosa, o ensino de arte deve envolver três dimensões inseparáveis: fazer, ler e contextualizar. Essa é a base da Proposta Triangular. Uma abordagem que respeita o educando como produtor de cultura, e não como receptor passivo ou emissor espontâneo de sentimentos.

Arte é imagem — e imagem é linguagem

Vivemos em um mundo de imagens. Imagens que seduzem, vendem, manipulam, informam, emocionam. Se não ensinamos nossas crianças e jovens a ler essas imagens, a entendê-las, a interpretá-las, a criticá-las, estamos contribuindo para uma sociedade de analfabetos visuais.

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E não se trata apenas de estética. Trata-se de alfabetização política, cultural, ética. A arte é o lugar onde o visível encontra o pensamento. Onde a forma revela o conteúdo.

Quem ensina arte precisa ser mais do que um condutor de atividades. Precisa ser pesquisador, leitor de imagens, curioso, ousado. Precisa estar em diálogo constante com a arte contemporânea, com os artistas do seu tempo, com os códigos visuais da periferia, da ancestralidade, das mídias digitais. Precisa saber que ensinar arte é, também, ensinar a desconfiar do óbvio. O professor de arte não trabalha com respostas, trabalha com perguntas.

A escola não é neutra. A arte também não.

A escola não é um lugar neutro. Nunca foi. É espaço de disputa de sentidos, de visões de mundo, de estéticas e de valores. A arte que entra na escola carrega consigo tudo isso. Por isso, não basta defender que a arte permaneça no currículo. É preciso disputar qual arte entra, como ela é ensinada, que histórias ela conta, que corpos ela representa, que imaginários ela provoca. Se a arte na escola serve apenas para “ocupar tempo” ou “decorar o ambiente”, algo está errado. Muito errado.

Arte é um direito. Um direito à leitura do mundo, à expressão complexa, à invenção de si. Ensinar arte é formar sujeitos sensíveis, críticos e criadores, e isso é muito mais urgente do que formar consumidores. Se ainda precisamos justificar a presença da arte na escola, é porque ainda estamos muito longe da educação que precisamos.

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