Modos de existência anticolonial na arte contemporânea

O texto explora os modos de existência anticolonial na arte contemporânea a partir do pensamento de Diane Lima, destacando práticas curatoriais e artísticas que desafiam estruturas coloniais no sistema da arte. Aborda temas como a performatividade do discurso, epistemologias negras e decoloniais, ancestralidade como força ativa e a reconfiguração institucional.

Em meio às transformações do sistema de arte contemporâneo, cresce a urgência de refletir sobre práticas que questionam a centralidade do pensamento ocidental e hegemônico nas formas de fazer, ver e legitimar arte. A discussão sobre modos de existência anticolonial na arte contemporânea não se resume à presença de temas “políticos” nas obras, mas atravessa metodologias, relações institucionais, estratégias de exibição e produção de conhecimento. É nesse contexto que o pensamento e a atuação de Diane Lima se destacam, ao propor uma prática curatorial e artística que performa saberes, e não apenas os tematiza.

A crítica ao sistema de arte e seus regimes de visibilidade

Como aponta Lima, o sistema de arte historicamente se estruturou a partir de critérios estéticos e epistêmicos que refletem um ideal branco, masculino e europeu de universalidade. Isso se traduz na exclusão sistemática de corpos dissidentes e geografias outras dos espaços de visibilidade, produção e legitimação. Não se trata apenas de representatividade, mas da forma como o próprio sistema define o que é arte, quem pode produzir, onde se expõe e o que se valoriza.

Curadorias, coleções, editais, prêmios, críticas e publicações operam como filtros, dispositivos que, mais do que neutros, exercem poder. Ao atuar nesses espaços com intencionalidade crítica, Diane Lima propõe deslocamentos estruturais que não se limitam à inclusão simbólica, mas buscam desmontar as formas de organização e os regimes de autorização do campo artístico.

A performatividade como estratégia curatorial

Inspirada por epistemologias negras, feministas e decoloniais, Lima articula uma “curadoria em perspectiva”, como ela mesma define, que se recusa a reproduzir as estruturas opressivas do sistema da arte. Esse conceito aparece com força em projetos como Diálogos Ausentes, AfroTranscendence e Não Me Aguarde na Retina. Nessas iniciativas, não se tratava apenas de trazer artistas negros para o centro da cena, mas de construir outras formas de partilha do sensível, outras lógicas de organização institucional e pedagógica, outras formas de escuta, outras temporalidades.

Nas palavras da autora,“conhecimento é incorporado na experiência, enraizado naquilo que nossa presença provoca nos lugares de poder. Isso é o que chamamos de ‘performar discurso’.” Esse deslocamento também exige que as instituições estejam abertas a rever suas estruturas.

Entre ancestralidade e projeção de futuro

Um dos pontos centrais do pensamento de Lima é o cruzamento entre ancestralidade e futuro. Projetos como AfroTranscendence ativam epistemologias ancestrais não como passado a ser resgatado, mas como força ativa de invenção do presente e de projeção de futuros plurais. Segundo ela, trata-se de:

“Uma experiência que realiza, e não apenas discute, a perspectiva decolonial no campo da produção de conhecimento e da educação.”

A proposta anticolonial não se ancora, portanto, em uma negação simples do sistema, mas em sua reconfiguração a partir de outras lógicas, da escuta, da coletividade, da complexidade do tempo, do atravessamento entre arte, espiritualidade, política e afeto.

“Não me aguarde na retina”

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A quarta edição do Festival Valongo, em 2018, curada por Diane Lima, materializou diversas dessas inquietações. Ocupando o bairro portuário de Santos, marcado por ruínas e memórias da diáspora africana, o festival foi concebido como um exercício de coabitação com camadas temporais, uma proposição sensível diante dos modos de fazer e ver. Mais de 50 artistas, atividades pedagógicas, performances, residências e ações comunitárias compuseram uma trama que desafiava a ideia de curadoria como mediação neutra.

O título do festival, Não me aguarde na retina, já sugeria o desejo de desestabilizar a centralidade do olhar como única forma de apreensão estética, propondo, em vez disso, a ativação de todos os sentidos, saberes e modos de existir.

Pensar junto

Falar sobre modos de existência anticolonial na arte contemporânea é, antes de tudo, deslocar o foco do que está exposto para como está exposto, para quem e com que efeitos. É compreender que estética e ética caminham juntas e que práticas artísticas podem funcionar como forças de reorganização sensível e política do mundo.

O pensamento de Diane Lima, articulado com outras vozes como Lélia Gonzalez, Djamila Ribeiro, Grada Kilomba e Patricia Hill Collins, contribui para esse debate ao propor práticas que performam a crítica, encarnam a complexidade e tensionam os limites do que chamamos “arte”.

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