Conceitos de economia na arte

A arte é muitas coisas ao mesmo tempo — expressão estética, símbolo cultural, ferramenta política. Mas é também um bem econômico. Entender os conceitos de economia aplicados ao sistema da arte nos ajuda a compreender como as obras circulam, por que certos artistas ganham mais visibilidade (e valor) e o que está por trás das oscilações do mercado. Neste artigo, reunimos os principais conceitos econômicos que ajudam a decifrar as engrenagens do mercado da arte.

A arte movimenta bilhões todos os anos. Segundo o Art Market Report 2025, o mercado global de arte alcançou patamares históricos nos últimos 15 anos — e o Brasil começa a ocupar um espaço mais visível, ainda que discreto. Estudar a economia da arte, portanto, é investigar como valores são atribuídos, como incertezas são reduzidas e como diferentes atores constroem reputações e oportunidades.

Mais do que cifras, essa análise ajuda a entender os sistemas de legitimação e o papel das instituições, dos intermediários e até dos compradores eventuais, que representam mais da metade dos consumidores em feiras de arte no Brasil.

Valor e preço: não confunda as coisas

No mercado da arte, valor e preço nem sempre caminham juntos. Uma obra pode ter um altíssimo valor estético ou histórico e ainda assim circular por preços baixos, especialmente no mercado primário. O valor da arte pode ser dividido em três dimensões:

  • Valor econômico: quanto o mercado está disposto a pagar.
  • Valor estético: ligado à criatividade, inovação e percepção subjetiva.
  • Valor histórico: autenticidade, proveniência e relevância cultural.

O que é o mercado primário e o mercado secundário?

Esses dois termos são fundamentais:

  • Mercado primário: é onde a obra é vendida pela primeira vez, geralmente por meio de galerias ou diretamente pelo artista. Os preços costumam ser mais baixos, mas também há mais risco e incerteza.
  • Mercado secundário: envolve revendas, como leilões. Os valores tendem a ser mais altos, pois já há validação e escassez — o que contribui para uma maior estabilidade.

Conceitos econômicos essenciais

Lei de Gresham: quando o “dinheiro ruim” expulsa o bom

Formulada inicialmente no século XVI e formalizada no século XIX, a Lei de Gresham afirma: “o dinheiro ruim expulsa o bom”. Em um paralelo com a arte, obras de qualidade duvidosa podem desestabilizar o mercado se não houver mecanismos de verificação adequados — levando colecionadores a optar por nomes “seguros”.

A Lei de Gresham é uma ideia clássica da economia que afirma: “o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom de circulação”. A origem do conceito remonta ao século XVI, quando o financista inglês Thomas Gresham alertou a Rainha Elizabeth I sobre a circulação de moedas desgastadas, falsificadas ou de valor metálico inferior, que acabavam substituindo as moedas com maior teor de ouro ou prata — já que os cidadãos preferiam guardar ou derreter as moedas boas e usar apenas as piores no dia a dia. A teoria foi formalizada apenas no século XIX por Henry MacLeod e ainda hoje é usada como metáfora para situações de desequilíbrio em mercados que sofrem com assimetria de informação.

Mas como isso se aplica ao mercado da arte?
No mundo da arte, a Lei de Gresham pode ser interpretada da seguinte forma: obras de qualidade duvidosa (seja por falta de autenticidade, relevância ou consistência artística) podem ofuscar ou desvalorizar obras de qualidade reconhecida, principalmente em contextos onde não há mecanismos claros de avaliação e autenticação. Em um mercado sem filtros de legitimidade, pode acontecer o chamado “efeito Gresham”:

  • Obras com pouca ou nenhuma validação crítica começam a ser vendidas como se fossem de alto valor;
  • Artistas com pouca trajetória substituem, no imaginário do público, aqueles com produção sólida e consistente;
  • Compradores eventuais, com menor conhecimento sobre arte, impulsionam esse ciclo ao preferirem obras que “parecem valiosas”, mesmo que sem fundamentação estética ou histórica.

O resultado é um mercado mais frágil, no qual o “dinheiro bom” (obras com valor real, simbólico e histórico) pode sair de circulação, ou seja, passar a ser menos ofertado, menos valorizado ou direcionado a nichos mais fechados e exigentes.

A saída para esse ciclo, está nas instituições neutralizadoras: curadores, galerias com reputação sólida, feiras sérias, catálogos oficiais e sistemas de autenticação que tornam visível a diferença entre o “bom” e o “ruim” — e ajudam a proteger a integridade do mercado.

O mercado de limões, de Akerlof: como a incerteza pode sabotar o valor da arte

O economista George Akerlof, ganhador do Nobel, apresentou o conceito de “mercado de limões” em 1970 para descrever os efeitos da assimetria de informação: quando o comprador não tem todas as informações sobre um produto, tende a desconfiar de sua qualidade — o que reduz o valor médio disposto a pagar e pode expulsar bons produtos do mercado.

O seu artigo seminal com um título curioso: “The Market for Lemons” (O Mercado de Limões) é uma das bases para entender como a informação assimétrica pode gerar ineficiência, desconfiança e perda de valor em qualquer mercado.

Mas o que seriam esses “limões”?
No contexto original, Akerlof usou o exemplo do mercado de carros usados, onde o comprador não tem todas as informações que o vendedor possui sobre o veículo. Isso cria um desequilíbrio: como o comprador não consegue distinguir um bom carro (um “pêssego”) de um carro problemático (um “limão”), ele assume o pior e oferece um valor mais baixo por qualquer carro. Com isso, os bons vendedores desistem de vender, e o mercado passa a ser dominado por produtos de menor qualidade.

Esse fenômeno é conhecido como seleção adversa: a incerteza faz com que os produtos bons desapareçam e os ruins se tornem maioria. E isso acontece — talvez com ainda mais intensidade — no mercado da arte.

Quando a arte vira “limão”
No mercado artístico, a assimetria de informação está por todos os lados:

  • No mercado primário, colecionadores muitas vezes não têm como saber se um artista emergente tem real consistência ou se é apenas uma aposta de curto prazo;
  • No mercado secundário, a dúvida gira em torno da autenticidade: será mesmo que essa obra é de Tarsila? Esse desenho é mesmo um Van Gogh “descoberto”?;
  • A arte contemporânea, com sua multiplicidade de linguagens, materiais e propostas conceituais, desafia critérios objetivos de avaliação — o que aumenta ainda mais a incerteza.

Se esse ambiente de dúvida não for moderado por mecanismos de validação confiáveis, o risco é o mesmo previsto por Akerlof: os compradores começam a desconfiar do valor de tudo, o valor médio das obras cai e artistas de qualidade acabam afastados do mercado.

Como combater esse efeito?
O “antídoto” para o mercado de limões é a redução da assimetria informacional. E no mundo da arte, isso é feito de várias maneiras:

  • Documentação de procedência (proveniência), certificados de autenticidade e presença em catálogos oficiais;
  • Instituições e agentes de confiança, como museus, curadores independentes, galerias consolidadas, críticos e feiras sérias;
  • Currículos artísticos e marcos de carreira, que funcionam como sinalizadores da trajetória de um artista;
  • E claro, educação do público, para que novos compradores consigam fazer escolhas mais informadas.

No fundo, a grande lição de Akerlof aplicada à arte é que a informação é um dos ativos mais valiosos do mercado. Onde há clareza, há confiança. E onde há confiança, há valor.

O papel das instituições neutralizadoras

Diante da incerteza, surgem as chamadas instituições neutralizadoras, como curadores, galeristas, museus, críticos e advisors, que ajudam a validar uma obra ou carreira. Esses agentes formam o ecossistema da arte e funcionam como filtros de qualidade.

Também é comum o uso de currículos artísticos (exposições, certificados, catálogos) como forma de sinalização — um mecanismo de “signaling” que reduz o risco percebido e influencia o valor de mercado.

Economia e arte

Estudar economia da arte trata-se de uma negociação constante entre capital simbólico e capital financeiro, entre gosto e status, entre mercado e subjetividade. Um campo onde o julgamento estético convive com estratégias econômicas sofisticadas — e onde entender os conceitos ajuda a navegar com mais consciência e menos ilusão.

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