Baruch de Spinoza, um dos filósofos mais instigantes do século XVII, dedicou boa parte de sua obra a entender não apenas a razão humana, mas também aquilo que nos atravessa antes mesmo do pensamento: os afetos. Em vez de partir da ideia de um ser racional que controla suas emoções com frieza, Spinoza propõe que somos corpos em constante troca com o mundo: afetamos e somos afetados o tempo todo.
Para compreender a teoria dos afetos de Spinoza, é preciso distinguir dois conceitos fundamentais: afecções e afetos.
- Afecção (ou affectio): é tudo o que acontece ao nosso corpo. É o impacto de um encontro: com uma pessoa, uma imagem, uma lembrança, uma sensação.
- Afeto (ou affectus): é o efeito que essa afecção produz na nossa potência de agir. Ou seja, o modo como esse encontro aumenta ou diminui nossa capacidade de existir, pensar, criar, transformar.
Em outras palavras: a afecção é o fato; o afeto, sua consequência em nós. Se um encontro nos alegra, potencializa nossa ação. Se entristece, nos limita. Spinoza mostra que não somos passivos nesses processos, podemos aprender a reconhecer o que nos afeta e, com isso, transformar nossas paixões em ações.
Paixões, alegrias, tristezas e desejo
Para Spinoza, tudo o que sentimos – amor, ódio, medo, esperança – pode ser reduzido a três afetos fundamentais:
- Desejo: impulso de perseverar na existência, de continuar sendo.
- Alegria: aumento da potência de agir.
- Tristeza: diminuição da potência de agir.
Esses afetos não são bons ou ruins por natureza. Eles apenas indicam se estamos nos tornando mais potentes ou menos potentes no mundo. Quando agimos movidos por paixões (afetos passivos), estamos sujeitos a forças externas que nos arrastam sem que compreendamos por quê. Quando conseguimos agir a partir de ideias claras (afetos ativos), passamos a criar novas possibilidades de existência.
Conhecimento como potência: um caminho para a liberdade
Spinoza não propõe que eliminemos os afetos, mas que aprendamos a conhecê-los. O conhecimento, para ele, é o afeto mais potente de todos. Ao entender como os afetos operam em nós, passamos a nos libertar das paixões tristes que nos prendem a uma moral de culpa, medo e ressentimento.
Esse caminho exige atenção ao corpo, às sensações, aos encontros. A mente, ao reconhecer o que o corpo sente, aprende com ele. E esse aprendizado permite compor novas relações, mais livres, mais potentes.
O que isso tem a ver com arte?
A arte, como campo de expressão e sensibilidade, é território privilegiado dos afetos. Não apenas porque nos emociona, mas porque nos move. Uma obra de arte (uma pintura, uma performance, uma música) é um corpo que nos afeta, e que pode tanto nos entristecer quanto nos despertar.
A estética espinosista nos ajuda a pensar a arte não como algo a ser interpretado racionalmente, mas como algo que se dá no encontro. O espectador, o artista e a obra estão todos em relação. A criação artística, assim como os afetos, é movimento. É composição. É variação de potência.
Quando Spinoza diz que “um corpo afeta outro corpo de mil maneiras diferentes”, ele nos convida a aceitar que não há uma só forma de sentir, nem uma única leitura possível. Cada pessoa, em cada tempo, será afetada de um jeito. E isso é libertador.
Criar é também ser afetado
A teoria dos afetos de Spinoza nos ensina que viver é compor com o que nos atravessa. Que conhecer nossos afetos é o primeiro passo para transformar a vida e a arte em uma prática mais livre e potente.
Ao olhar uma obra, ao criar uma imagem, ao escrever um poema, estamos todos fazendo o mesmo movimento: tentando compreender e compartilhar aquilo que nos afeta. E, com sorte, afetar o outro também.