O que é crítica de arte?

Entenda o que é crítica de arte, seu papel hoje e os autores que transformaram sua função. Criticar também é criar.

A crítica de arte pode parecer, à primeira vista, uma espécie de julgamento, o lugar onde alguém diz se uma obra “é boa” ou “não é boa”. Mas essa é uma visão limitada e ultrapassada. Na verdade, a crítica é uma forma de mediação, interpretação e diálogo entre a arte, o público e o tempo em que vivemos.

Uma prática em constante transformação

A crítica de arte, como entendida hoje, não nasce com a simples vontade de classificar obras, mas com o desejo de compreendê-las em sua complexidade. Para Mario Pedrosa, um dos críticos mais importantes do Brasil, a crítica é um “exercício experimental da liberdade”. Em suas palavras, trata-se de um modo de pensar que acompanha o fazer artístico com liberdade e abertura, sendo menos sobre julgar e mais sobre propor sentidos possíveis.

Pedrosa não via a crítica como um fim, mas como parte do processo artístico e social. Ele defendia que o crítico deveria estar atento às transformações da arte e do mundo, reconhecendo os sinais do novo, do inacabado e do experimental, aquilo que ainda está em construção.

Contra a interpretação

Na contramão da crítica tradicional, Susan Sontag, no ensaio “Contra a Interpretação”, defende uma crítica menos preocupada em decifrar significados ocultos e mais interessada em perceber a potência sensorial da obra. Para ela, o excesso de interpretação empobrece a experiência estética:

“A função da crítica deveria ser mostrar como é, mesmo, a obra de arte – que ela existe, que ela é aquilo que é – em vez de mostrar o que ela significa.”, conta Susan Sontag. A autorapropõe uma crítica que privilegia o olhar direto, sem mediadores pesados. Menos explicação e mais atenção. Em tempos de sobrecarga de discursos e análises, essa abordagem continua atual.

No Brasil

A crítica de arte no Brasil passou por diferentes fases, acompanhando as transformações sociais, políticas e culturais do país. Inicialmente restrita aos círculos letrados e à imprensa, a crítica se consolidou como campo autônomo a partir do modernismo, ganhando papel central na legitimação de artistas e movimentos. No século XXI, a crítica enfrenta novos desafios diante da expansão digital, da descentralização institucional e da crise de autoridade dos “especialistas”.

O primeiro livro de crítica de arte publicado no Brasil foi A Arte Brasileira (1888), de Gonzaga Duque. Sua obra buscava estabelecer um “gosto nacional” e valorizar artistas locais num contexto ainda muito influenciado por padrões europeus. A crítica era feita principalmente em jornais, com uma linguagem literária e voltada para um público letrado.

Com o Modernismo, nas primeiras décadas do século XX, a crítica assume um papel formador. Mário de Andrade e Sérgio Milliet defendiam uma arte brasileira autônoma e experimental, e enxergavam a crítica como uma prática pedagógica e construtiva. Era uma crítica que não apenas analisava, mas também propunha caminhos.

No pós-guerra, com a fundação de museus e a participação do Brasil em eventos internacionais, a crítica de arte se institucionaliza. O nome mais relevante desse período é Mário Pedrosa, que defendia a arte como “exercício experimental da liberdade”. Sua crítica era profundamente engajada, tanto no campo estético quanto no político.

Nos anos 1960 e 1970, em meio à ditadura militar, a crítica assume também um papel de resistência. Ferreira Gullar, envolvido com o Neoconcretismo, e Frederico Morais, com sua visão inclusiva e voltada à arte marginal e participativa, são nomes essenciais nesse período.

Com a abertura política e a diversificação da produção artística, os anos 1980 e 1990 assistem a uma fragmentação da crítica. O campo se expande para a academia, para a curadoria e para os circuitos independentes, gerando novas tensões entre especialização e acessibilidade.

Crítica de arte hoje

Hoje, o papel da crítica muitas vezes se mistura com o da curadoria. Ambos atuam como mediadores culturais, mas a crítica pode ter um papel mais público, opinativo e textual. Já a curadoria trabalha com seleção, montagem e organização de sentidos no espaço expositivo. Gloria Ferreira diz que a crítica atual precisa considerar também o lugar das instituições, do mercado e da mídia, ampliando seu campo de ação.

Com a retração da imprensa especializada e a ascensão das redes sociais, novas formas de crítica emergem em podcasts, blogs, newsletters e plataformas digitais. A função da crítica passa a ser cada vez mais:

  • Mediar o contato entre o público e a obra
  • Aprofundar os sentidos de uma produção
  • Contextualizar histórica e politicamente
  • Documentar e arquivar
  • Formar público

Ao mesmo tempo, a crítica lida com a perda de autoridade tradicional e com a pressão por produções acessíveis e imediatistas. Em resposta, surgem iniciativas independentes que reivindicam uma crítica mais sensível, plural e comprometida com a escuta.

Para que serve a crítica de arte?

A crítica serve para:

  • Acompanhar o pensamento dos artistas e propor interpretações abertas;
  • Ampliar o olhar do público, conectando a obra com seu contexto histórico, social e político;
  • Fomentar o debate cultural, propondo perguntas mais do que respostas fechadas;
  • Registrar a história da arte, dando visibilidade a produções que poderiam ser ignoradas ou esquecidas.

Ela é, como afirmou Mario Pedrosa, uma forma de apostar no futuro, de ver na arte não um produto acabado, mas uma experiência em devir.

Crítica como partilha

Mais do que exercer um papel autoritário, o crítico de arte hoje é alguém que ajuda a construir sentidos coletivos, com escuta, sensibilidade e compromisso com o presente. A crítica não é o ponto final da obra, é um convite à conversa. E nesse convite, todos podemos entrar: artistas, curadores, pesquisadores, educadores, público. Afinal, pensar sobre arte é também pensar sobre o mundo.

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